quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Teoria da verossimilhança preponderante na formação da convicção do juiz

A notícia abaixo demonstra que  a teoria da verossimilhança preponderante foi aplicada pelo STJ em caso de indenização por acidente com veículo envolvendo o acidentado e a montadora do veículo (relação de consumo). 

A teoria da verossimilhança preponderante como critério de formação da convicção do juiz tem origem no direito sueco e foi alvo de consistente crítica do Marinoni. 

Interessante de se cogitar as implicações com acidente de trabalho, considerando as regras protetivas do direito do trabalho e que influenciam diretamente no ônus da prova e formação da convicção do juiz.

STJ - Mesmo sem perícia, empresa é condenada a indenizar vítima de acidente com veículo
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial interposto pela F. A. S/A. A empresa foi condenada a pagar indenização a um cliente envolvido em acidente de trânsito, mesmo sem a realização de perícia, por aplicação da teoria da verossimilhança preponderante.

O veículo, modelo U., de fabricação da empresa, capotou após a quebra da roda dianteira esquerda. O cliente, então, recorreu à Justiça para que a F. fosse responsabilizada pelo sinistro e pelos prejuízos decorrentes.

Verossimilhança

O exame pericial das rodas de liga leve do automóvel não foi realizado porque não houve instauração de inquérito policial e porque, após a propositura da ação, o veículo não foi localizado.

O cliente, contudo, comprovou que, em momento posterior ao acidente, a F. passou a substituir as rodas utilizadas na montagem do modelo do veículo, mediante recall. O chamamento foi em decorrência da possibilidade de, submetidas a condições extremas, as rodas apresentarem fissuras na parte interna, falha apontada como causadora do acidente.

A sentença condenou a F. a ressarcir as despesas com tratamento médico e a pagar pensão mensal vitalícia, no valor correspondente a 35% da remuneração percebida pela vítima na época do acidente. Foram fixadas ainda compensação por dano moral e estético, de 50 salários mínimos, e reparação a título de lucros cessantes, correspondente à soma das remunerações mensais percebidas pelo autor nos meses de setembro a dezembro de 1990. O acórdão de apelação manteve a sentença.

Recurso negado

No STJ, a F. alegou não haver provas suficientes de sua responsabilidade no acidente. A empresa culpou a vítima, que estaria em alta velocidade e precisou desviar de um animal na via, o que ocasionou a capotagem. Além disso, sustentou que a teoria da verossimilhança preponderante, adotada pelo acórdão impugnado, não pode se sobrepor à teoria do ônus da prova, positivada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, reconheceu que o acórdão recorrido invocou a aplicação da teoria da verossimilhança preponderante na decisão da controvérsia e destacou a possibilidade de o instituto ser adotado como elemento subsidiário.

Para Nancy Andrighi, beneficiar a parte que ostenta posição mais verossímil é medida compatível com o ordenamento jurídico-processual brasileiro, desde que utilizada para servir de fundamento à superação do estado de dúvida do julgador.

A relatora reforçou a importância da prova pericial, mas entendeu que o tribunal de origem agiu corretamente, pois, “tendo em conta a peculiaridade da situação concreta posta a desate, convenceu-se da verdade dos fatos alegados e julgou procedente o pedido deduzido na inicial”.

Processo: REsp 1320295

Fonte: Superior Tribunal de Justiça


Segundo Marinoni:

"......

2. Críticas às teses de que i) o juiz deve julgar sempre com base na verossimilhança que preponderar e de que ii) a falta de prova capaz de gerar convicção plena ou de verdade implica em uma sentença que não produz coisa julgada material


Algumas doutrinas abandonaram a regra do ônus da prova como critério dirigente da decisão judicial em caso de dúvida. Isso porque, para elas, o julgamento pode fugir da regra do ônus da prova quando existir um grau mínimo de preponderância da prova.

Tais doutrinas aludem a verossimilhança preponderante – a Överviktsprincip na Suécia e a Überwiegensprinzip na Alemanha – para indicar que a convicção pode ser de verossimilhança preponderante3. A lógica dessa tese se funda na idéia de que a verossimilhança, ainda que mínima, permite um julgamento mais racional e mais justo do que aquele que se baseia na regra do ônus da prova.

A admissão de que o juiz está convencido quando a verossimilhança pende para um dos lados praticamente elimina a impossibilidade de convicção e, dessa maneira, o estado de dúvida, que exigiria a aplicação da regra do ônus da prova como método de decisão. Ou seja, se não existe dúvida, não há necessidade de adoção da regra do ônus da prova.

A lógica da verossimilhança preponderante se funda na premissa de que as partes sempre convencem o juiz, ainda que minimamente, o que é totalmente equivocado. O juiz não se convence quando é obrigado a se contentar com o que prepondera. Deixe-se claro que a teoria da verossimilhança preponderante não se confunde com a possibilidade de o juiz reduzir as exigências de prova ou as exigências de convicção a partir de uma particular situação de direito material. Nesse último caso, não se trata de julgar com base na verossimilhança que preponderar, mas sim de julgar com base na verossimilhança exigível à luz das circunstâncias do caso concreto, quando então o juiz se convence, ainda que da verossimilhança, por ser essa a convicção de verdade possível diante do caso concreto.

Uma outra teoria, ao lidar com a dúvida, em princípio não a esconde, mas a afirma. Essa teoria aceita a possibilidade de o juiz chegar ao final do procedimento sem se convencer, dizendo que o juiz, nesse caso, deve proferir uma sentença contrária à parte que tem o ônus da prova. Porém, essa teoria tenta se desfazer da dúvida ao firmar a idéia de que a sentença proferida pelo juiz que não se convenceu, e assim foi obrigado a julgar com base na regra do ônus da prova, não produz coisa julgada material (não se torna indiscutível e imutável).

Contudo, não há muita diferença em proibir que o juiz deixe de julgar (o chamado non liquet) e admitir que a sentença, na hipótese de insuficiência de provas, não produz coisa julgada material. Ora, se o juiz é obrigado a julgar, o seu julgamento deve ter autoridade e se tornar estável, impedindo a sua negação ou rediscussão.

Em resumo: i) não é correto obrigar o juiz a julgar com base na verossimilhança que preponderar, independentemente da situação concretacomo também ii) não se pode admitir que a sentença não produz coisa julgada material apenas por ser fundada em prova insuficiente para esclarecer os fatos. É que as partes devem convencer o juiz, e esse, para julgar, em regra deve estar convicto da verdade, com exceção de particulares situações de direito substancial em que se admite que a sua convicção possa se formar com base em verossimilhança. Por outro lado, não há qualquer racionalidade em admitir que a sentença, apenas porque baseada em provas insuficientes, não produz coisa julgada material, pois isso seria o mesmo que supor que os conflitos devem se eternizar até que as partes tenham meios para provar ou até que o juiz possa se convencer, o que apenas serve para negar a evidência da falibilidade dos meios de conhecimento, da prova, do processo, das partes e do juiz." (grifamos e sublinhamos)

MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Jus Navigandi, Teresina, ano 11n. 116812 set. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8845>. Acesso em: 4 dez. 2013.

Sobre a implicação da teoria da verossimilhança preponderante na tutela antecipada, acesse aqui editorial mais densamente tratado pelo próprio Marinoni.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Precatórios: declaração de inconstitucionalidade pelo STF em 2013

O Exmo. Ministro D. V. A.:

"GALERA, INFORMAÇÕES DO SITE DO STF EM "A CONSTITUIÇÃO E O SUPREMO". ENTREI PARA RELEMBRAR OS MOTIVOS..."

Art. 100, CF:


§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (Redação da EC 62/2009)    
               
 "Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas, propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), para declarar a inconstitucionalidade: a) da expressão ‘na data de expedição do precatório’, contida no § 2º do art. 100 da CF; (...). No tocante ao art. 100, § 2º, da CF (...), assinalou-se que a emenda, em primeira análise, criara benefício anteriormente inexistente para os idosos e para os portadores de deficiência, em reverência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. Entretanto, relativamente à expressão ‘na data da expedição do precatório’, entendeu-se haver transgressão ao princípio da igualdade, porquanto a preferência deveria ser estendida a todos credores que completassem sessenta anos de idade na pendência de pagamento de precatório de natureza alimentícia." (ADI 4.357 e ADI 4.425, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 13 e 14-3-2013, Plenário, Informativo 698.)

§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Redação da EC 62/2009)                      

"Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas, propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), para declarar a inconstitucionalidade: (...) b) dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF; (...). Quanto aos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF (...), apontou-se configurar compensação obrigatória de crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda Pública. Aduziu-se que os dispositivos consagrariam superioridade processual da parte pública – no que concerne aos créditos privados reconhecidos em decisão judicial com trânsito em julgado – sem que considerada a garantia do devido processo legal e de seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa. Reiterou-se que esse tipo unilateral e automático de compensação de valores embaraçaria a efetividade da jurisdição, desrespeitaria a coisa julgada e afetaria o princípio da separação dos Poderes. Enfatizou-se que a Fazenda Pública disporia de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos tributários e não tributários. Assim, também se reputou afrontado o princípio constitucional da isonomia, uma vez que o ente estatal, ao cobrar crédito de que titular, não estaria obrigado a compensá-lo com eventual débito seu em face do credor contribuinte. Pelos mesmos motivos, assentou-se a inconstitucionalidade da frase ‘permitida por iniciativa do Poder Executivo a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa ... nos termos do § 9º do art. 100 da CF’, contida no inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT." (ADI 4.357 e ADI 4.425, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 13 e 14-3-2013, Plenário, Informativo 698.)                               

§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (Redação da EC 62/2009)                                

"Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas, propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), para declarar a inconstitucionalidade: (...) b) dos § § 9º e 10 do art. 100 da CF; (...). Quanto aos § § 9º e 10 do art. 100 da CF (...), apontou-se configurar compensação obrigatória de crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda Pública. Aduziu-se que os dispositivos consagrariam superioridade processual da parte pública – no que concerne aos créditos privados reconhecidos em decisão judicial com trânsito em julgado – sem que considerada a garantia do devido processo legal e de seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa. Reiterou-se que esse tipo unilateral e automático de compensação de valores embaraçaria a efetividade da jurisdição, desrespeitaria a coisa julgada e afetaria o princípio da separação dos Poderes. Enfatizou-se que a Fazenda Pública disporia de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos tributários e não tributários. Assim, também se reputou afrontado o princípio constitucional da isonomia, uma vez que o ente estatal, ao cobrar crédito de que titular, não estaria obrigado a compensá-lo com eventual débito seu em face do credor contribuinte. Pelos mesmos motivos, assentou-se a inconstitucionalidade da frase ‘permitida por iniciativa do Poder Executivo a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa ... nos termos do § 9º do art. 100 da CF’, contida no inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT." (ADI 4.357 e ADI 4.425, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 13 e 14-3-2013, Plenário, Informativo 698.)                 

§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. (Redação da EC 62/2009)                            
NOVO: "É devida correção monetária no período compreendido entre a data de elaboração do cálculo da Requisição de Pequeno Valor (RPV) e sua expedição para pagamento. Essa a conclusão do Plenário, que, em decisão majoritária, deu provimento a recurso extraordinário com agravo para determinar que servidora pública receba valores referentes à RPV devida pelo Estado com correção monetária, desde o cálculo final até a expedição. (...) No mérito, lembrou orientação da Corte segundo a qual: a) no prazo normal para pagamento de precatórios, não seriam cabíveis juros, de acordo com a Súmula Vinculante 17 (...); b) no caso de mora, para dissuadir a inadimplência, o devedor seria obrigado ao pagamento de juros. Explicou que a diferença entre precatório e RPV seria a quantia paga pelo Estado, condenado por sentença transitada em julgado. Cada ente federado poderia estabelecer o valor considerado de menor monta, para pagamento em sessenta dias, sem necessidade de inclusão em listas ordinárias de antiguidade e relevância para adimplemento em exercício subsequente. Asseverou que a diferença baseada no valor seria irrelevante para a determinação da mora, pois a administração estaria proibida de optar pela inadimplência em ambos os casos. Explicou que a finalidade da correção monetária seria a recuperação da perda do poder aquisitivo da moeda. No ponto, reconheceu que, caracterizadas mora e inflação, cabível a correção monetária do crédito de RPV pago fora do tempo. A respeito da incidência de juros e correção entre a data do último cálculo e o efetivo pagamento, assentou o direito à aplicação de correção, calculada com base nesse período. Constatou o transcurso do prazo de um ano e nove meses entre a data em que realizado o primeiro cálculo e a expedição da RPV. Por fim, impôs a remessa do feito à origem, para que lá fosse analisado o índice mais adequado à correção.” (ARE 638.195, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 29-5-2013, Plenário, Informativo 708, com repercussão geral.)
               
"Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas, propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), para declarar a inconstitucionalidade: (...) c) da expressão ‘índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança’, constante do § 12 do art. 100 da CF, do inciso II do § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do ADCT; (...). Declarou-se, ainda, a inconstitucionalidade parcial do § 12 do art. 100 da CF (...), no que diz respeito à expressão ‘índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança’, bem como do inciso II do § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do ADCT. Realçou-se que essa atualização monetária dos débitos inscritos em precatório deveria corresponder ao índice de desvalorização da moeda, no fim de certo período, e que esta Corte já consagrara não estar refletida, no índice estabelecido na emenda questionada, a perda de poder aquisitivo da moeda. Dessa maneira, afirmou-se a afronta à garantia da coisa julgada e, reflexamente, ao postulado da separação dos Poderes. Na sequência, expungiu-se, de igual modo, a expressão ‘independentemente de sua natureza’, previsto no mesmo § 12 em apreço. Aludiu-se que, para os precatórios de natureza tributária, deveriam ser aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário." (ADI 4.357 e ADI 4.425, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 13 e 14-3-2013, Plenário,Informativo 698.)

Terceirização - atividades inerentes - Leis 8.987/95 e 9.472/97 - normas de Direito Administrativo 'x' normas de Direito do Trabalho

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE LINHAS E REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECLAMANTE ELETRICISTA. ATIVIDADE FIM DA RECLAMADA TOMADORA DE SERVIÇOS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 25, § 1º, DA LEI Nº 8.987/95 E DO ARTIGO 94, II, DA LEI Nº 9.472/97 E APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITENS I E III, DO TST. VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE A TOMADORA DE SERVIÇOS E O TRABALHADOR TERCEIRIZADO RECONHECIDO. 1. Discute-se nestes autos a possibilidade de terceirização das atividades de instalação e reparação de linhas telefônicas e a incidência ou não, nesses casos, do item I da Súmula nº 331 do TST. Embora o entendimento consagrado nesta Súmula tenha sido no sentido de se admitir a licitude da terceirização de forma bem mais ampla e generalizada que a Súmula nº 256 desta Corte que antes tratava da matéria, isso não significou considerá-la lícita em todo e qualquer caso. Levando-se em conta a finalidade da terceirização, que é permitir a concentração dos esforços da empresa tomadora de serviços em suas atividades essenciais por meio da contratação da prestação de serviços especializados por terceiros nas suas demais atividades, consagrou-se, no item III da citada Súmula nº 331, a autorização para a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, ou seja, a contrario sensu, a terceirização, continuou sendo considerada ilícita, sob pena de formação do vínculo de emprego dos trabalhadores terceirizados com o tomador dos serviços, nos termos de seu item I, toda e qualquer terceirização das atividades-fim das empresas. 2. Esse limite deve também ser observado, por identidade de motivos, nas atividades das empresas concessionárias ou permissionárias dos ramos de energia elétrica e de telecomunicações. Com efeito, a Lei nº 8.987/95, que disciplina a atuação das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público em geral, e a Lei nº 9.472/97, que regula as telecomunicações, são normas de Direito Administrativo e, como tais, não foram promulgadas para regular matéria trabalhista, devendo a questão da licitude e dos efeitos da terceirização ser decidida exclusivamente pela Justiça do Trabalho, com base nos princípios e nas regras que norteiam o Direito do Trabalho, de forma a interpretar e, eventualmente, aplicá-las, de modo a não esvaziar de sentido prático ou a negar vigência e aplicação às normas trabalhistas, que, em nosso País, disciplinam a prestação de trabalho subordinado, em especial os artigos 2º e 3º da CLT. 3. Por via de consequência, não se pode mesmo interpretar o § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95 e o artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, de que a autorização por eles dada a empresa concessionária dos serviços de telecomunicações para contratar, com terceiros, o desenvolvimento de atividades inerentes ao serviço tornaria lícita a terceirização de suas atividades-fim, o que, em última análise, acabaria por permitir que elas desenvolvessem sua atividade empresarial sem ter em seus quadros nenhum empregado, e sim, apenas, trabalhadores terceirizados. 4. Assim, quando os órgãos fracionários dos Tribunais trabalhistas interpretam preceitos legais como os ora examinados, de forma a não produzir resultados absurdos e incompatíveis com o Direito do Trabalho e mediante a aplicação de outras normas infraconstitucionais existentes no ordenamento jurídico, não estão, em absoluto, infringindo o disposto na Súmula Vinculante nº 10, tampouco violando o artigo 97 da Constituição Federal, referente à cláusula de reserva de Plenário, pois não se estará utilizando critérios constitucionais, nem mesmo de forma implícita. 5. Por outro lado, não se pode considerar que a prestação dos serviços de instalação e manutenção de linhas telefônicas no âmbito das empresas de telecomunicação caracterize atividade-meio, e não atividade-fim. 6. Esta questão da legalidade ou ilegalidade da terceirização das atividades-fim das empresas de telecomunicações, por serem inerentes à sua atuação, foi recentemente objeto de decisão da Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1) deste Tribunal Superior do Trabalho, em 28/06/2011, em sua composição completa, no julgamento do Processo E-RR - 134640-23.2008.5.03.0010, que teve como Relatora a Ministra Maria de Assis Calsing, em que, por expressiva maioria (nove votos a favor e cinco contra), entendeu-se que as empresas de telecomunicações se encontram igualmente sujeitas às diretrizes insertas na Súmula nº 331, itens I e III, relativamente, portanto, à impossibilidade de terceirização das atividades-fim dessas empresas, entre as quais se incluem, por óbvio, a instalação e a manutenção das linhas telefônicas (atividade de cabista). Ao assim decidir, a SBDI-1 nada mais fez do que exercer sua função precípua, legal e regimental: dirimir a divergência jurisprudencial entre as Turmas desta Corte, até então existente, sobre a matéria, consagrando a tese a ser observada dali por diante pelos órgãos fracionários deste Tribunal Superior, nos termos e para os efeitos do artigo 894, inciso II, da CLT, do artigo 3º, inciso III, alínea 'b', da Lei nº 7.701/88 (ambos na redação que lhes foi dada pela Lei nº 11.496/2006), bem como do artigo 71, inciso II, alínea 'a', do Regimento Interno desse Tribunal. 7. É certo que aquela decisão da SBDI-1 foi proferida antes da realização da Audiência Pública ocorrida nos dias 04 e 05 de outubro de 2011 e convocada pela Presidência desse Tribunal, nos termos do artigo 35, inciso XXXVI, do seu Regimento Interno, e que implicou a oitiva de quase cinquenta especialistas e integrantes da sociedade civil, com o objetivo de obter subsídios e esclarecimentos acerca das questões fáticas, técnicas, científicas, econômicas e sociais relativas à subcontratação de mão de obra por meio de interposta pessoa. No entanto, os elementos trazidos à consideração dos Ministros do TST, naquela oportunidade, não se mostraram capazes de alterar o já citado entendimento recentemente consagrado pela SBDI-1 do TST, em sua sessão de 28/06/2011, no desempenho de seu papel legal e regimental precípuo. Com efeito, extrai-se do conjunto de manifestações aduzidas na referida Audiência Pública que a alegação, feita pelos defensores da terceirização em geral (e, inclusive, das atividades-fim empresariais), de que, por seu intermédio, é possível atingir-se maior eficiência e produtividade e a geração de mais riqueza e mais empregos, foi amplamente refutada pelos vastos dados estatísticos e sociológicos apresentados por aqueles que sustentaram, ao contrário, que a terceirização das atividades-fim é um fator de precarização do trabalho, caracterizando-se pelos baixos salários dos empregados terceirizados e pela redução indireta do salário dos empregados das empresas tomadoras, pela maior instabilidade no emprego e ausência de estímulo à maior produtividade dos trabalhadores terceirizados, pela divisão e desorganização dos integrantes da categoria profissional que atua no âmbito das empresas tomadoras, com a consequente pulverização da representação sindical de todos os trabalhadores interessados e, por fim, pelos comprovadamente maiores riscos de acidente de trabalho. 8. Assim, diante da ilicitude da terceirização das atividades de manutenção de linhas e redes de distribuição de energia elétrica pelas empresas concessionárias de serviço de energia elétrica, nas quais se insere a exercida pelo reclamante, eletricista, deve ser reconhecida a existência, por todo o período laborado, de vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços de telefonia nos exatos moldes do item I da Súmula nº 331 do TST com o pagamento de todos os seus consectários legais objeto do pedido inicial. Recurso de revista não conhecido. (TST-RR-99500-12.2005.5.15.0005, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 19/12/2011).

* Permanece no STF o entendimento pelo sobrestamento apenas dos processos trabalhistas atacados por reclamação constitucional. Veja:

Rcl 10132 / PR - PARANÁ
RECLAMAÇÃO
Relator(a):  Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 06/11/2012

Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-221 DIVULG 08/11/2012 PUBLIC 09/11/2012

REFERENTE ÀS PETIÇÕES 37.305/2012 E 56.352/2012 Decisão: Trata-se de petições por meio das quais VIVO S.A. e FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES postulam a concessão de medida judicial que determine a suspensão da tramitação de processos nos tribunais trabalhistas que tenham por objeto a mesma matéria versada na presente reclamação: legalidade da terceirização nas atividades do setor de telecomunicações, diante do disposto no art. 94, II, da Lei 9.472/1997. No presente caso, argumenta-se que a terceirização foi considerada irregular porque o trabalho exercido pelos empregados terceirizados diz respeito à atividade-fim da empresa contratante, o que não seria permitido, consoante o enunciado 331, III, do Tribunal Superior do Trabalho. Ocorre que, em relação aos serviços de telecomunicação, o art. 94, II, da Lei n. 9.472/1997 permite a contratação com terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares. Ao apreciar o pedido de medida cautelar, identifiquei uma possível contradição entre os termos da Súmula 331, III, do TST e o art. 94, II, da Lei 9.472/1997, razão pela qual determinei a suspensão dos efeitos do acórdão reclamado, proferido pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho nos autos do Recurso de Revista n. 6749/2007-663-09-00, até o julgamento final desta reclamação. O objetivo da presente petição é estender os efeitos da cautelar, anteriormente concedida, a todos os processos trabalhistas que tratam do mesmo tema, mas a providência é inviável em sede de reclamação constitucional, ação impugnativa cujo escopo é combater atos que impliquem usurpação de competência do STF ou descumprimento de orientação jurisprudencial com efeito vinculante. A reclamação é instituto processual que possui pressupostos muito específicos, estabelecidos no art. 102, I, “l”, da Constituição. O cabimento desta ação demanda, ainda, estrita pertinência entre o ato reclamado e o paradigma cuja autoridade se tem por violada, pois essa medida excepcional não pode servir de sucedâneo de ação rescisória, de incidente de uniformização de jurisprudência, nem de medida ou de recurso destinados à revisão ordinária da decisão reclamada. Assim, a determinação de sobrestamento de todos os processos trabalhistas que tratam da mesma questão desta ação não é compatível com o instituto da reclamação constitucional, a qual – repito mais uma vez – é meio impugnativo de atos específicos que acarretem usurpação de competência ou descumprimento de decisão desta Corte. Ante o exposto, indefiro o pedido de sobrestamento formulado. Oficie-se à Procuradoria-Geral da República para que emita parecer sobre o caso, tendo em vista a relevância do tema e a remessa dos autos àquele órgão há mais de dois anos. Publique-se. Brasília, 6 de novembro de 2012. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

(Rcl 10132, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 06/11/2012, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 08/11/2012 PUBLIC 09/11/2012) 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Juízo Auxiliar da Infância e Juventude no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

ATO GP nº 19/2013

Institui o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e dá outras providências. 

A PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que a prestação jurisdicional subordina-se ao princípio da duração razoável do processo, estampado no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que o Brasil assumiu, perante a comunidade internacional, o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e todas as formas até 2020;

CONSIDERANDO as conclusões do I Encontro Nacional sobre Trabalho Infantil, organizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 22 de agosto de 2012, em Brasília-DF, notadamente a que reconhece a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos de autorização para trabalho de crianças e adolescentes antes dos 16 anos de idade;

CONSIDERANDO que a Convenção 138, da Organização Internacional do Trabalho, adotada pelo Brasil, prevê a possibilidade de concessão de autorização clausulada de trabalho da criança e do adolescente, antes dos 16 anos, pela autoridade competente, nos termos de seu artigo 8.1;

CONSIDERANDO que a Carta de Brasília, aclamada pela assembleia do “Seminário Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho”, ocorrida em Brasília-DF, em 11 de outubro de 2012, reconhece a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos de autorização para trabalho de crianças e adolescentes antes dos 16 anos de idade;

CONSIDERANDO a necessidade de implementação de estrutura própria para acolhimento da nova competência da Justiça do Trabalho, relacionada à análise e concessão de alvarás para trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos;

CONSIDERANDO a existência atual dos Juízos Auxiliares, que prestam apoio à Distribuição, à Central de Mandados, às Execuções Unificadas e às Hastas Públicas,

RESOLVE:

Art. 1º Fica instituído o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude, regulado nos termos deste Ato.

Parágrafo único. Os juízes do trabalho substitutos que atuam como juízes auxiliares na Capital e funcionam junto aos Juízos Auxiliares em Execução ficam designados, sem prejuízo de suas atribuições atuais, para conhecer e decidir os processos de alvarás para trabalho infanto-juvenil, até ulterior deliberação.

Art. 2º Os pedidos de autorização para trabalho infanto-juvenil deverão ser distribuídos como Petição (Outros procedimentos), trazendo no polo ativo o nome do interessado e o texto “Autorização para Trabalho de Menor”. Serão todos catalogados no assunto “Trabalho com proteção especial – Menor”.

§ 1º O expediente será distribuído dentre as 90 (noventa) Varas de São Paulo e encaminhado diretamente ao Juízo Auxiliar ora instituído, onde tramitarão até o seu definitivo arquivamento.

§ 2º A equipe de apoio dos juízos auxiliares, no desempenho das atividades relacionadas à concessão dos alvarás, encaminhará, caso necessário, as solicitações para a realização de diligências e demais medidas cabíveis às Seções de Atendimento Psicológico e de Serviço Social deste Tribunal.

Art. 3º As secretarias das varas do trabalho, às quais forem sorteados os feitos, prestarão ao Juízo Auxiliar da Infância e Juventude todo o auxílio por este solicitado.

Art. 4º Os casos omissos serão resolvidos pela Presidência do Tribunal.

Art. 5º Este Ato entra em vigor na data de sua publicação.

Publique-se e cumpra-se.

São Paulo, 16 de setembro de 2013.

(a)MARIA DORALICE NOVAES
Desembargadora do Trabalho Presidente do Tribunal

TST - Aviso prévio indenizado não gera pagamento de contribuição previdenciária

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reafirmou o entendimento de que o aviso prévio indenizado não dá causa a recolhimento de contribuição previdenciária, ante a ausência de previsão legal de que a parcela compõe o salário de contribuição. O exame da matéria ocorreu em recurso de revista interposto pela União, que pretendia modificar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE). 

A União alegou que se o aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais, conforme previsão do artigo 487, parágrafo 1°, da CLT, também terá implicações para fins previdenciários, uma vez que o tempo de serviço não seria critério para a concessão de benefícios, mas sim o tempo de contribuição. 

O ministro Fernando Eizo Ono, relator do recurso, explicou que originalmente a Lei 8.212/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) incluía a importância recebida a título aviso prévio não trabalhado (indenizado) no rol de valores que não constituem salário de contribuição. Todavia, o texto foi alterado pela Lei nº 9.528/97, que suprimiu a parcela daquela lista. 

Com a revogação, o aviso prévio indenizado passou a não mais pertencer à regra de exceção da incidência da contribuição previdenciária, mas a lei revogadora também não tratou da tributação dessa parcela. Assim, construiu-se o entendimento de que o aviso prévio indenizado não enseja o recolhimento de contribuição previdenciária, em razão da ausência de previsão legal no sentido de que compõe o salário de contribuição. 

É que, em matéria tributária, não se pode autorizar a incidência do tributo apenas porque a norma legal não a exclui de forma expressa de sua base de cálculo. "Tratando-se de contribuição compulsória, é necessário que haja explícita previsão legal determinando a sua incidência", complementou o relator. Ele esclareceu que, no caso examinado, o aviso prévio pago em dinheiro não se enquadra no conceito de salário de contribuição de que trata o artigo 28, inciso I, da Lei 8.212/91, pois não se destina a retribuir o trabalho. 

O pedido formulado pela União já havia sido negado tanto pela Vara do Trabalho como pelo Regional de Pernambuco. A decisão de não admitir o recurso, por a decisão estar de acordo com a jurisprudência do TST, foi unânime. 

Processo: RR-1199-15.2011.5.06.0023 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Direito ao esquecimento

DIREITO CIVIL. DIREITO AO ESQUECIMENTO.
A exibição não autorizada de uma única imagem da vítima de crime amplamente noticiado à época dos fatos não gera, por si só, direito de compensação por danos morais aos seus familiares. O direito ao esquecimento surge na discussão acerca da possibilidade de alguém impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não sejam contemporâneas e lhe causem transtornos das mais diversas ordens. Sobre o tema, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Na abordagem do assunto sob o aspecto sociológico, o antigo conflito entre o público e o privado ganha uma nova roupagem na modernidade: a inundação do espaço público com questões estritamente privadas decorre, a um só tempo, da expropriação da intimidade (ou privacidade) por terceiros, mas também da voluntária entrega desses bens à arena pública. Acrescente-se a essa reflexão o sentimento, difundido por inédita "filosofia tecnológica" do tempo atual pautada na permissividade, segundo o qual ser devassado ou espionado é, em alguma medida, tornar-se importante e popular, invertendo-se valores e tornando a vida privada um prazer ilegítimo e excêntrico, seguro sinal de atraso e de mediocridade. Sob outro aspecto, referente à censura à liberdade de imprensa, o novo cenário jurídico apoia-se no fato de que a CF, ao proclamar a liberdade de informação e de manifestação do pensamento, assim o faz traçando as diretrizes principiológicas de acordo com as quais essa liberdade será exercida, reafirmando, como a doutrina sempre afirmou, que os direitos e garantias protegidos pela Constituição, em regra, não são absolutos. Assim, não se pode hipertrofiar a liberdade de informação à custa do atrofiamento dos valores que apontam para a pessoa humana. A explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família – prevista no § 1º do art. 220, no art. 221 e no § 3º do art. 222 da CF –, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de o direito à informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, IX), a CF mostrou sua vocação antropocêntrica ao gravar, já no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como – mais que um direito – um fundamento da república, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos. A cláusula constitucional da dignidade da pessoa humana garante que o homem seja tratado como sujeito cujo valor supera ao de todas as coisas criadas por ele próprio, como o mercado, a imprensa e, até mesmo, o Estado, edificando um núcleo intangível de proteção oponível erga omnes, circunstância que legitima, em uma ponderação de valores constitucionalmente protegidos, tendo sempre em vista os parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade, que algum sacrifício possa ser suportado, caso a caso, pelos titulares de outros bens e direitos. Ademais, a permissão ampla e irrestrita de que um fato e pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo – a pretexto da historicidade do evento – pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado. Nesses casos, admitir-se o “direito ao esquecimento” pode significar um corretivo – tardio, mas possível – das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia. Além disso, dizer que sempre o interesse público na divulgação de casos judiciais deverá prevalecer sobre a privacidade ou intimidade dos envolvidos, pode violar o próprio texto da Constituição, que prevê solução exatamente contrária, ou seja, de sacrifício da publicidade (art. 5º, LX). A solução que harmoniza esses dois interesses em conflito é a preservação da pessoa, com a restrição à publicidade do processo, tornando pública apenas a resposta estatal aos conflitos a ele submetidos, dando-se publicidade da sentença ou do julgamento, nos termos do art. 155 do Código de Processo Civil e art. 93, IX, da Constituição Federal. Por fim, a assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito reagitar o que a lei pretende sepultar. Isso vale até mesmo para notícias cujo conteúdo seja totalmente verídico, pois, embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação, a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, nem transforma a liberdade de imprensa em direito absoluto e ilimitado. Nesse contexto, as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento, se assim desejarem, consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor – o que está relacionado com sua ressocialização – e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram. Todavia, no caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e se vai adquirindo um “direito ao esquecimento”, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. Nesse contexto, deve-se analisar, em cada caso concreto, como foi utilizada a imagem da vítima, para que se verifique se houve, efetivamente, alguma violação aos direitos dos familiares. Isso porque nem toda veiculação não consentida da imagem é indevida ou digna de reparação, sendo frequentes os casos em que a imagem da pessoa é publicada de forma respeitosa e sem nenhum viés comercial ou econômico. Assim, quando a imagem não for, em si, o cerne da publicação, e também não revele situação vexatória ou degradante, a solução dada pelo STJ será o reconhecimento da inexistência do dever de indenizar. REsp 1.335.153-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.

DIREITO CIVIL. DIREITO AO ESQUECIMENTO.
Gera dano moral a veiculação de programa televisivo sobre fatos ocorridos há longa data, com ostensiva identificação de pessoa que tenha sido investigada, denunciada e, posteriormente, inocentada em processo criminal. O direito ao esquecimento surge na discussão acerca da possibilidade de alguém impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não sejam contemporâneas e lhe causem transtornos das mais diversas ordens. Sobre o tema, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. O interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas irreversivelmente consumadas. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes – assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação –, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos. Cabe destacar que, embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação, a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, nem transforma a liberdade de imprensa em direito absoluto e ilimitado. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução humanitária e cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – conexão do presente com o passado – e a esperança – vínculo do futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. Precedentes citados: RMS 15.634-SP, Sexta Turma, DJ 5/2/2007; e REsp 443.927-SP, Quinta Turma, DJ 4/8/2003. REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.

Tutela específica e tutela não específica (ou tutela do equivalente)

(Tuti)

Tutela específica
É um tipo de tutela jurisdicional (resultado que decorre do processo) que propicia a efetividade do direito material a quem tem razão. O processo deve buscar a tutela específica – é a primazia da tutela específica.
Previsão legal da tutela específica:
Art. 20 CC – estabelece as 3 tutelas abaixo (inibitória, reintegratória e ressarcitória)
461 do CPC: estabeleceu a primazia da tutela específica (vale para todas as tutelas, exceto a de entrega de dinheiro – pagar), decorre do aperfeiçoamento do art. 84 do CDC.
461, § 5º, CPC: cláusula geral de efetivação – o juiz, para efetivar as suas decisões (não entrega de dinheiro) pode tomar QUALQUER medida executiva: típica (multa diária) ou atípica (Ex. desligar energia elétrica do réu até cumprir decisão), de coerção direta (ex. busca e apreensão) ou indireta (multa), de ofício ou não, podendo inclusive trocar as medidas já usadas por outras.
OBS: As medidas dos juízes baseadas no § 5º nem sempre precisam ser punições, pode-se estabelecer recompensas para convencer o devedor a cumprir a obrigação, para evitar execução direta. Ex: se o réu aceitar a obrigação, concede prazo maior para o seu cumprimento.
O problema de escolher uma medida atípica é que o juiz terá que fundamentar – ex:  se manda desligar luz do prédio, terá que fundamentar o motivo.
Espécies de tutela específica (3 formas de tutelar o direito):
1 - Tutela inibitória: é exemplo e não sinônimo de tutela específica. – é tutela contra um ilícito (e não dano) e busca inibir o ilícito. Há direito de tutela, mesmo que o ato não cause dano. Não se discutem culpa e dano na tutela inibitória, pois mesmo sem eles há ilícito.
2 - Tutela reintegratória (tutela de remoção do ilícito) – ocorre quando o ilícito já foi praticado. Não se relaciona com dano ou culpa, mas com o ilícito. Ex: há outdoor falando mal do professor e ele pede para juiz retirar o outdoor. Se pedisse pra não colocar de novo, seria inibitório. Ex2: falta de assinatura da CTPS pode não causar dano, mas é ilícito. É importante para o dto do trabalho – pois qualquer inadimplemento do contrato de trabalho dá direito à tutela reintegratória, independentemente de dano ou culpa.
3 – Tutela ressarcitória – busca ressarcir o prejuízo. É a única que sempre pressupõe dano e, às vezes, culpa (e também o nexo). Ela pode se dar na forma específica (isso é difícil). Fomos educados para buscar a tutela ressarcitória em dinheiro (pelo equivalente pecuniário), mas ela também pode ser específica. Ex: direito de resposta no âmbito eleitoral (ressarce com o que foi tirado da pessoa). Ex2: reflorestamento quando há dano ao M.A. Pode haver ressarcimento não pecuniário no direito do trabalho, especialmente no direito coletivo.

Tutela não específica (tutela do equivalente)
O resultado propicia a quem tem razão um equivalente ao bem da vida ofendido. O CC 1916 aplicava essa filosofia.
Há tutelas que não condizem com a tutela do equivalente. Exemplo: obrigação de não poluir.

sábado, 12 de outubro de 2013

Seguro-Desemprego - Alteração (DOU 11/10/2013)

DECRETO Nº 8.118, DE 10 DE OUTUBRO DE 2013
 
Altera o Decreto nº 7.721, de 16 de abril de 2012, que dispõe sobre o condicionamento do recebimento da assistência financeira do Programa de Seguro-Desemprego à comprovação de matrícula e frequência em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, com carga horária mínima de cento e sessenta horas. 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no § 1º do art. 3º e no § 2º do art. 8º da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e na Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011,  

DECRETA

Art. 1º  O Decreto nº 7.721, de 16 de abril de 2012, passa a vigorar com as seguintes alterações: 
Art. 1º  O recebimento de assistência financeira pelo trabalhador segurado que solicitar o benefício do Programa de Seguro-Desemprego a partir da segunda vez dentro de um período de dez anos poderá ser condicionado à comprovação de matrícula e frequência em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011, com carga horária mínima de cento e sessenta horas.
.................................................................................................” (NR) 
Art. 2º  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de outubro de 2013; 192º da Independência e 125º da República. 

DILMA ROUSSEFF
Aloizio Mercadante
Manuel Dias

Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.10.2013

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Fluid recovery em direitos individuais homogêneos e tutela pelo equivalente pecuniário

(extraído de artigo do Prof. Marcel Vitor de M. e Guerra)


"Segundo disposição constante no art. 95 do CDC, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”. Isso quer dizer que a condenação sempre será genérica, não havendo qualquer possibilidade, diante da lei posta, de os legitimados obterem sentença que contenha condenação cujo quantum já esteja definido.

Pela sistemática atual, o decreto condenatório proferido em ação coletiva destinada à tutela dos interesses individuais homogêneos deverá ser sempre genérico, ou seja, ilíquido. Isso não significa que seja impossível qualquer outra forma de tutela, como preventiva, inibitória, consubstanciando obrigações de fazer e não fazer ou entrega de coisa. Significa apenas que o legislador presumiu uma impossibilidade de o magistrado quantificar o valor indenizatório para cada indivíduo. Daí a necessidade de as vítimas ou seus sucessores providenciarem a liquidação de forma individual.

No entanto, o legislador previu uma segunda hipótese de liquidação, de caráter subsidiário, uma liquidação coletiva promovida por qualquer dos legitimados do art. 82 do CDC, que tem em mira a obtenção de um quantum que irá, nos termos do parágrafo único do art. 100, integrar o Fundo criado pela Lei da Ação Civil Pública.

Para nós, essa condenação fluida tutela o direito individual homogêneo, já que não houve um número razoável de liquidações individuais, situação esta que também tutelaria o direito coletivo, individual homogêneo. Como dito anteriormente, trata-se de uma ficção jurídica em que se presume tutelado o direito coletivo quando um número razoável de liquidações individuais tiverem existido. Caso contrário, ante a indisponibilidade dos direitos coletivos, nasce a necessidade da condenação subsidiária, técnica alternativa apta a tutelar o direito coletivo.

Essa fungibilidade de formas de tutela só ocorre porque se trata da tutela indenizatória para direitos individuais homogêneos. Como a carga de coletividade dos individuais homogêneos não é suficiente a ensejar uma condenação indenizatória autônoma, como nos demais direitos coletivos, a condenação torna-se subsidiária, só ocorrendo na eventualidade de não se alcançar um número razoável de liquidantes individuais, hipótese em que se consideraria tutelado o direito coletivo(individual homogêneo).

Esse tratamento flexível só é possível porque a tutela pelo equivalente pecuniário para os direitos coletivos tem um perfil diferenciado. Na verdade, não há efetiva tutela de um direito coletivo pela técnica da equivalência pecuniária.

Isso mesmo, não há como se aferir o valor financeiro de um direito coletivo. Não há como quantificar monetariamente um direito coletivo. O que ocorre quando da necessidade de o magistrado encontrar um valor financeiro para a tutela do direito individual homogêneo é a estimação do quantum pelo número de titulares individuais, mas o propósito dessa condenação não será os indivíduos diretamente, esse propósito é da tutela individual, que lembre-se, pode ser disponível, o propósito será outro, será punir,  educar o causador do dano, assim tutelando de forma reflexa o direito coletivo.

É por isso que o legislador entendeu que, para os direitos individuais homogêneos, (de menor carga de coletividade) esse propósito, punitivo-educador, estaria alcançado quando o causador do dano tivesse que desembolsar quantia equivalente a um número razoável de liquidantes.

A tutela pelo equivalente pecuniário tem como objetivo tutelar o interesse público, não visa uma compensação financeira geral. Tem uma outra finalidade, que se coaduna com os valores constitucionais, ou seja, tem um caráter punitivo/educativo em relacão ao wrongdoer, além de de outros efeitos colaterais, como servir de exemplo e influenciar e orientar politicas públicas.

Portanto, a tutela pelo equivalente pecuniário no direito coletivo tem uma função punitiva e educativa e, não propriamente, de tutelar o direito coletivo violado, pelo menos não de forma direta. Essa condenação fluida tem por objetivo evitar a impunidade do responsável pela prática lesiva, com a punição do réu pelo dano globalmente causado, além do nítido caráter educativo e influenciador de políticas públicas.

Antonio Herman V. Benjamim afirma que a procedência da ação coletiva, nessas hipóteses, redundará numa situação de “ressarcibilidade indireta”, em que os sujeitos individualmente não são aquinhoados com o quantum debeatur, que vai para o fundo.

Ou seja, a tutela pelo equivalente pecuniário é uma técnica processual que no âmbito dos direitos coletivos, mais especificamente nas condenações fluidas do art. 100 do CDC, sofre uma alteração genética, transmudando seu objetivo original (indenizar indivíduos), para encampar um outro escopo, o de proteger a coletividade e evitar práticas lesivas ao interesse público. A tutela pelo equivalente pecuniário para os direitos coletivos é uma tutela indireta, já que a única tutela efetiva e direta é a tutela específica."

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Teoria do fato consumado: o decurso do tempo sob o olhar do STJ

A teoria do fato consumado é bastante invocada pelas partes, ou trazida nas teses dos julgados que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que os ministros decidam, de maneira definitiva, no âmbito infraconstitucional, sobre a sua aplicação. 

Os magistrados do STJ possuem um pensamento já consolidado a respeito do tema e afirmam que “a teoria aplica-se apenas em situações excepcionalíssimas, nas quais a inércia da administração ou a morosidade do Judiciário deram ensejo a que situações precárias se consolidassem pelo decurso do tempo”, conforme explica o ministro Castro Meira no RMS 34.189. 

Entretanto, a teoria “visa preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária” – conforme destacou a ministra Eliana Calmon no REsp 1.189.485. 

Vestibular 

O julgamento do REsp 1.244.991 tratou de um aluno aprovado no vestibular para o curso de engenharia mecatrônica da Universidade Federal de Uberlândia, em julho de 2007, que não apresentou certificado de conclusão do ensino médio no ato da matrícula e por isso não foi aceito. 

O estudante impetrou mandado de segurança contra o ato do reitor, mas o pedido foi negado no primeiro grau. Apelou então para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que o concedeu. O TRF1 afirmou que o candidato aprovado em regular processo seletivo para ingresso no ensino superior terá assegurado o direito à matrícula no curso para o qual concorreu, se antes de a sentença ser proferida, ele apresentar o certificado de conclusão do nível médio, como ocorreu no caso. 

Para o tribunal federal, a demora do estado para a emissão do certificado de ensino médio em razão de seus próprios mecanismos não podem prejudicar o estudante, até porque o aluno comprovou que já havia concluído o ensino médio em 2007, antes mesmo de o tribunal conceder a segurança. 

A universidade, inconformada com o acórdão do segundo grau, recorreu para o STJ alegando ofensa à Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O recurso foi julgado em 2011 pelos ministros da Segunda Turma, que, sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, decidiram se tratar de uma “situação de fato consolidada”, visto que o aluno já havia concluído o ensino médio e a matrícula havia sido deferida pela universidade em 2008, em virtude do acórdão do TRF1. 

Senso de justiça 

Em outro caso que tratou sobre aprovação em vestibular e no qual os ministros do STJ aplicaram a teoria do fato consumado, o estudante não havia atingido a idade mínima de 18 anos para a realização do exame supletivo, com objetivo de concluir o ensino médio (Ag 997.268). 

O recurso foi relatado pelo ministro Herman Benjamin e discutiu especificamente os artigos 37 e 38 da Lei 9.394. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) considerou que a exigência da idade mínima de 18 anos para a conclusão do ensino médio pelo exame supletivo era razoável, pois esta modalidade de exame visa exclusivamente dar oportunidade aos jovens e adultos atrasados nos estudos, de modo que possam recuperar o tempo perdido. 

Entretanto, para o TJBA, se o impetrante, mesmo em idade precoce e ainda por concluir o ensino médio, presta vestibular e obtém sucesso, revela capacidade e maturidade suficiente para cursa´-lo. Se, todavia, para se matricular no curso superior, necessita do certificado de conclusão de ensino médio, mas, exatamente porque ainda não completou 18 anos de idade, e´ proibido de realizar tais exames supletivos, “não se mostra razoável e justa a lei que assim o impede de, diferentemente de muitos outros, prosseguir avançando em seus estudos”. 

Para Benjamin, a tese do tribunal de origem estava em consonância com o entendimento pacífico do STJ. Segundo o ministro, o TJBA estava correto ao não reformar a sentença que concedeu a segurança ao estudante, porque “mediante liminar lhe foi deferido o direito de realizar os exames supletivos do ensino médio e, durante o tramitar do feito, veio a completar a idade mínima exigida”. 

Por isso, de acordo com Benjamin, teve de incidir a teoria do fato consumado, “segundo a qual o retorno ao status quo anterior se mostra contrário ao senso de justiça quando, além de evidenciada a maturidade e a capacidade do estudante, todos os requisitos exigidos ao ato foram cumpridos no curso da demanda”. 

Para o ministro, em hipóteses excepcionais como essa, é preciso fazer uma ponderação entre a situação fática consolidada e os princípios jurídicos em questão, para que “o estudante beneficiado com o provimento judicial favorável não seja prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito pleiteado inicialmente”. 

Situação cristalizada 

No REsp 1.291.328, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que compõe a Primeira Turma, o assunto foi a liminar concedida em primeira instância que possibilitou que o estudante obtivesse diploma de conclusão do ensino superior, mesmo sem ter feito o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). 

O Enade foi estabelecido pela Lei 10.861/04 e o STJ, de acordo com o ministro, não tem considerado ilegal quando se condiciona a colação de grau à realização do exame. Entretanto, nesse caso, o estudante colou grau por força de uma medida liminar emitida mais de dois anos antes do julgamento no STJ, obtendo o diploma de conclusão de curso. 

Dessa maneira, para o ministro relator, houve a “cristalização da situação fática em razão do decurso de tempo entre a colação de grau e os dias atuais, de maneira que a reversão desse quadro implicaria danos irreparáveis ao agravado (graduado)”. 

A Fundação Universidade Federal do Rio Grande, inconformada com o acórdão do STJ, apresentou recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando violação dos artigos 5º, caput e incisos II, XXXV, XXXVI, e 105 da Constituição Federal.

Restauração danosa 

No mesmo sentido foi julgado o REsp 1.346.893, da relatoria do ministro Mauro Campbell Marques. O ministro lembrou que a jurisprudência do Tribunal é no sentido de que o Enade “é obrigatório a todos os estudantes convocados regularmente para sua realização, não sendo ilegal o condicionamento da colação de grau e, consequentemente, a obtenção do diploma de curso superior ao comparecimento ao referido exame”. 

Porém, mais uma vez, a excepcionalidade do caso permitiu que fosse consolidada a situação de fato, pois a liminar concedida em primeira instância possibilitou que a estudante obtivesse o diploma de conclusão do curso de farmácia quase dois anos antes do julgamento do recurso no STJ, “sendo natural que esteja valendo-se de sua formação para exercer sua profissão e prover o seu sustento”, afirmou Campbell. 

Para o ministro, houve solidificação de situações fáticas em razão do decurso de tempo, de maneira que reverter esse quadro implicaria danos “desnecessários e irreparáveis” à graduada. 

Por isso, segundo o ministro, nesses casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, a jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de aplicar a teoria do fato consumado. 

Longo lapso temporal 

Em um caso julgado recentemente pela Primeira Seção do STJ, órgão fracionário formado pelos ministros da Primeira e da Segunda Turma, os ministros aplicaram a teoria ao caso de uma auditora fiscal do trabalho que teve sua nomeação tornada sem efeito pelo ministro do Trabalho, após 15 anos de serviço (MS 15.473). 

A servidora pública, após obter êxito no concurso de provas e títulos, chegou à fase posterior do certame por meio de medida liminar. Entretanto, quando o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) apreciou o mérito do mandado de segurança, a tutela foi revertida. De acordo com o relator, o caso ficou inerte ao longo dos anos e somente foi trazido ao cumprimento pela administração quando transcorridos mais de 15 anos dos atos de nomeação, posse e exercício por parte da servidora. 

Segundo o ministro Humberto Martins, a Primeira Seção já apreciou outros casos de servidores na mesma situação, e acordou que seria necessária a atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório no âmbito dos processos administrativos que ensejam restrição de direito. 

E nesse caso, o entendimento do colegiado foi o de conceder a segurança de forma integral, “excepcionalmente, em atenção ao longo lapso temporal envolvido, além de ponderar que a negativa da ordem ensejaria mais danos ao servidor e à administração pública do que sua concessão”, declarou Martins. 

Requisitos preenchidos 

A Sexta Turma também tratou do tema servidor público no Recurso Especial 1.121.307. O caso era de um candidato a perito da Polícia Federal que ocupou a primeira colocação no concurso e, devido a uma tendinite no ombro e no cotovelo, não pôde participar de uma das modalidades da prova física no dia destinado pelo edital. 

Ele solicitou a remarcação do teste de flexão em barra fixa, para que pudesse realizá-lo quando cessasse o período de afastamento médico. A tutela foi concedida liminarmente e depois confirmada pela sentença e pelo TRF2. 

A União recorreu ao STJ alegando que o candidato deveria ser eliminado porque não havia realizado a prova física na data prevista pelo edital. Quando o recurso foi julgado pela Turma, o candidato – aprovado com nota máxima em todos os testes e no curso de formação – já exercia o cargo havia alguns anos. 

A Turma confirmou a tese do tribunal de origem. O relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmou que ficou demonstrado que o candidato foi devidamente aprovado em todas as fases do concurso, com resultado homologado e publicado, tomando posse no cargo de perito criminal da Polícia Federal. 

De acordo com o ministro, a “situação jurídica”, a “boa-fé” e a “dignidade” do servidor deveriam ser levadas em conta, “merecendo ser beneficiado” com a teoria do fato consumado. 

Redução do dano 

Em outro caso envolvendo servidor público, a União também recorreu para o STJ. Dessa vez, o assunto foi um exame psicotécnico baseado em critérios subjetivos, cujo resultado foi irrecorrível, realizado por candidato em curso de formação de sargentos (REsp 1.310.811). 

A liminar que anulou o exame psicológico foi confirmada pela sentença e pelo acórdão do TRF1. O candidato concluiu o curso de formação de sargento e foi promovido à graduação de terceiro sargento pelo critério de merecimento desde junho de 2002. 

Mesmo com a alegação da União de que o candidato deveria ter se submetido a novo exame psicológico para se habilitar ao cargo, o ministro Humberto Martins, relator do caso, afirmou que, diante da comprovada lesão causada a direito do então candidato, a teoria do fato consumado foi aplicada “para reduzir o dano experimentado” por ele. 

O ministro considerou que o entendimento do TRF1, de que os diversos documentos juntados aos autos pelo servidor atendiam aos objetivos buscados pelo exame psicotécnico anulado, estava amparado na jurisprudência do STJ. E com isso, negou provimento ao recurso da União. 

Peculiaridades fáticas 

No julgamento do REsp 1.223.220, o caso foi de um candidato reprovado no teste físico do concurso para delegado da Polícia Federal, mantido no certame por força de liminar e em exercício no cargo havia mais de dez anos. 

Ao julgar a questão, o TRF2 entendeu que o Judiciário não pode dispensar candidatos de realizar testes previstos em edital para o ingresso em cargos públicos, sob pena de “conferir tratamento desigual e anti-isonômico entre candidatos e afrontar o princípio da separação dos poderes”. 

No recurso especial, o servidor alegou que a teoria do fato consumado deveria ser aplicada ao seu caso, pois diante da demora considerável na prestação jurisdicional, ele já havia atingido a estabilidade e sua situação já estava consolidada. 

Mesmo com as alegações da União de que a jurisprudência do STJ não aplica a teoria do fato consumado nas hipóteses em que o candidato permanece no certame por força de decisão judicial concedida a título precário, para o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em virtude das “peculiaridades fáticas” desse caso, o entendimento deveria ser “flexibilizado”. 

De acordo com o ministro, que compõe a Primeira Turma, não é recomendável, do ponto de vista do interesse público, “que uma pessoa que já se encontra trabalhando desde 2001, sem que haja qualquer indício de que exerça seu trabalho de maneira insatisfatória, seja abruptamente dali desalojada e sofra uma drástica modificação na sua situação profissional, econômica e moral, com consequências irreversíveis”. 

Segundo Maia Filho, nesse caso, o princípio da segurança jurídica deve ser respeitado, em contraste com a aplicação “pura e simples” do princípio da legalidade. 

Decurso do tempo 

O STJ também possui julgados em que aplica a teoria em casos de direito civil, especificamente envolvendo família, como na Sentença Estrangeira Contestada 274. O caso era de adoção internacional. O adotando nasceu em 1990, possui mãe e pai brasileiros, entretanto foi criado apenas pela mãe desde o nascimento e, a partir de 1994, também pelo esposo da mãe, de nacionalidade suíça. 

O pai biológico registrou documento no qual concedeu a guarda da criança para a mãe, outorgou a ela todas as decisões que diziam respeito à vida do filho e ressaltou que abria mão de qualquer influência na vida dele. A família residia havia mais de dez anos na Suíça e o cônjuge desejava adotar o enteado, em virtude do forte vínculo estabelecido ao longo dos anos entre eles, considerando-se efetivamente pai e filho. 

De acordo com o ministro Castro Meira, relator da sentença estrangeira, para a adoção de menor que tenha pais biológicos no exercício do poder familiar, haverá a necessidade do consentimento de ambos, salvo se, por decisão judicial, forem destituídos desse poder, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Para Meira, o abandono do filho pelo pai autoriza a perda judicial do poder familiar, nos termos do artigo 1.638, II, do Código Civil. Porém, em casos como esse em questão, o ministro ressalta que o STJ admite outra hipótese de dispensa do consentimento dos pais sem prévia destituição do poder familiar: “Quando for observada situação de fato consolidada no tempo que seja favorável ao adotando.” 

Situação contrária à lei 

A teoria do fato consumado é aplicada pelos ministros da Corte de forma excepcional, quando observada uma situação consolidada no tempo. Todavia, conforme explica a ministra Eliana Calmon, deve-se ter o cuidado de não ser validada uma situação contrária à lei. 

A posição fica bem explicitada no REsp 1.333.588, no qual um médico graduado pela Benemérita Universidade Autônoma de Puebla, México, requereu o reconhecimento de direito adquirido à revalidação automática do seu diploma no Brasil. Em 2004, por força de liminar, seu pedido foi concedido. Entretanto, a sentença proferida na ação julgou improcedente o pedido do médico, que apelou para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 

O TRF4, apesar de reconhecer a necessidade de o médico se submeter ao processo de revalidação, embasou-se em um precedente isolado do STJ e o dispensou da exigência estabelecida pela Lei 9.394, fundamentando a tese na aplicação da teoria do fato consumado. Por isso, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apresentou recurso no STJ contra o acórdão do TRF4, defendendo a inaplicabilidade da teoria e invocando ofensa ao artigo 462 do Código de Processo Civil. 

Segundo Eliana Calmon, a posição do STJ sobre o tema é no sentido de que “não se aplica a teoria do fato consumado em situações amparadas por medida de natureza precária, como liminar em antecipação do efeito de tutela, não havendo que se falar em situação consolidada pelo decurso do tempo”. 

Para a ministra, o médico deveria se submeter ao processo de revalidação de seu diploma estrangeiro “como qualquer interessado em situação análoga”. Calmon garantiu que a concessão de antecipação de tutela, ainda mais aquela posteriormente reconhecida como ilegal, “não pode servir de justificativa para aplicação da teoria do fato consumado, sob pena de se chancelar situação contrária à lei”. 

Por isso, o entendimento unânime da Segunda Turma, da qual faz parte a ministra, foi o de considerar descabido falar em direito adquirido no caso. O colegiado também entendeu que o simples decurso de tempo, desde a concessão da medida precária, não caracterizou uma hipótese válida de aplicação da teoria. 

Inaplicabilidade 

De acordo com o ministro Humberto Martins, é pacífico no STJ o entendimento de que a aplicação da teoria do fato consumado em matéria de concurso público requer o cumprimento dos requisitos legalmente estabelecidos. 

A posição foi defendida no julgamento do REsp 1.263.232, no qual um candidato a concurso para oficial bombeiro militar conseguiu, por meio de liminar, prosseguir nas demais fases do certame, mesmo tendo sido reprovado no teste de aptidão física. 

O candidato concluiu todas as demais fases do certame, inclusive o Curso de Formação de Oficiais. Porém, para os demais ministros que compõem a Segunda Turma, em razão do princípio da isonomia, não haveria como reconhecer ao candidato uma “segunda chance” (de novo teste físico) sem que o mesmo tratamento tenha sido reconhecido aos demais candidatos. 

RMS 34189 - REsp 1189485 - REsp 1244991 - Ag 997268 - REsp1297328 
REsp 1346893 - MS 15473 - REsp 1121307 - REsp 1310811 - REsp 1223220 
SEC 274 - REsp 1333588 - REsp 1263232