segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mudança na Lei de Introdução ao Código Civil (editorial de Pablo Stolze)

A ‘ementa’ da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942) experimentou uma pequenina - posto significativa - mudança, mediante a publicação da Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010.
Dado o período de edição desta recente lei modificadora – no penúltimo dia do ano passado – a mudança compreensivelmente quase não se fez sentir.
O fato é que o referido Decreto-Lei, originariamente intitulado de “Lei de Introdução ao Código Civil”, sempre teve um alcance normativo muito mais vasto e profundo, na medida em que não apenas traçava diretrizes fundamentais para o Direito Civil propriamente dito, como também para diversos outros ramos da dogmática jurídica, incluindo-se o próprio Direito Constitucional.
Noções fundamentais para a Ciência Jurídica em geral, como a do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, do direito adquirido, bem como a incidência da lei no tempo e no espaço são tratadas pela Lei de Introdução, o que já nos convencia, seguramente, de sua amplitude, chegando a ser denominada, por alguns juristas, de “norma de super direito” (ZITELMANN, W. TRINDADE).
Sua função, portanto, não é, tecnicamente, reger relações sociais, “mas sim as normas, uma vez que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a vigência e a eficácia, suas dimensões espácio-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão. Como se vê, engloba não só o direito civil, mas também os diversos ramos do direito privado e público, notadamente a seara do direito internacional privado. A Lei de Introdução é o Estatuto de Direito Internacional Privado; é uma norma cogente brasileira, por determinação legislativa da soberania nacional, aplicável a todas as leis” (DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 7a. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p.4, cit. por GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo in Novo Curso de Direito Civil – vol. I, Parte Geral, 2010, capítulo dedicado ao estudo da LICC)
Por tudo isso, aliás, dada a sua dimensão, talvez fosse mais adequado o tratamento da Lei de Introdução caber ao professor de Direito Constitucional do que ao especialista em Direito Civil.
Muito bem.
Por todos esses argumentos, firmemente difundidos na doutrina em geral, a novíssima Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010, corrigindo um inadequação terminológica histórica, modificou a ementa da Lei de Introdução que corretamente passou a dispor:
“Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.” (grifamos)
Elogiável mudança! 
Fiquem com Deus! Feliz Ano Novo!
Pablo Stolze.
07 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Depoimento pessoal e confissão do MP e demais atores processuais não titulares do direito material

"O Ministério Público é "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127 da CF/88), que exerce um dever de agir em juízo (e não um direito de ação) na tutela de interesses relevantes que lhe foram confiados em consonância com a sua missão constitucional, o que concede a condição de sujeito especial do processo. Como sujeito especial e parte formal do processo e diante da indisponibilidade dos interesses tutelados, os quais não admitem confissão (art. 351 do CPC), é inadmissível o depoimento pessoal do membro do Ministério Público nas ações em que oficie como parte ou como custos legis. O membro do Ministério Público não participa da relação material subjacente ao objeto litigioso, tendo conhecimento dos fatos a partir de elementos alheios à sua pessoa, durante a instrução de inquérito civil público. Ademais, em virtude dos princípios da unidade e da indivisibilidade (art. 127, § 1º, CF/88), o órgão do Ministério Público atua de forma despersonalizada, não se vinculando pessoalmente à relação jurídica processual ou à investigação que deu origem à eventual demanda judicial".

Fonte: Ronaldo Lima dos Santos, em artigo publicado na Revista LTr (74-12, p. 1449), entitulado "Depoimento pessoal e confissão - o princípio da utilidade"

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Responsabilidade civil objetiva do empregador

Abaixo um trecho do voto do Min. Vieira de Mello Filho no RR-1022400-33.2004.5.09.0015, acerca da responsabilidade civil objetiva do empregador em hipótese de acidente de trabalho. É uma verdadeira aula, completa, um roteiro de redação e auto-texto para sentença. 

 1.2 - ACIDENTE DE TRABALHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA
                     A Corte Regional negou provimento ao recurso ordinário das reclamadas aos seguintes fundamentos, a fls. 827-832:
    Ab initio, oportuno mencionar as circunstâncias em que ocorreu o acidente de trabalho, conforme adequadamente exposto pelo Juízo a quo (fls. 675/679), onde se verificou que a equipe do Reclamante foi enviada, de forma incompleta (ausência de um encarregado), para executar serviços de "linha viva" no período noturno, em descumprimento às normas do regulamento da empresa, ocasião em que se constatou a ausência de corte, por parte de um empregado da Reclamada, de um dos cabos no mesmo comprimento dos demais, bem como o fato de que os trabalhadores foram informados, erroneamente, de que a linha estava desligada, elementos esses que acarretaram a ocorrência do acidente de trabalho que acometeu o Reclamante, impondo-lhe a amputação dos dois braços até a altura dos ombros e as conseqüências decorrentes desse evento danoso.
    Estabelecidos esses pressupostos fáticos, importante lembrar que os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, arrolados expressamente no art. 7° da Constituição Federal, constituem um conjunto mínimo de direitos assegurados à categoria profissional, objetivando a concretização da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1°, III e IV, CF), eis que a ordem econômica encontra-se fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, CF).
    O disposto no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade subjetiva do empregador nos acidentes de trabalho, não pode ser interpretado de forma isolada, por constituir uma garantia mínima do trabalhador, sem que se exclua a existência de outros direitos "que visem à melhoria de sua condição social" (art. 7º, caput, CF), havendo a possibilidade de serem criados, por meio de normas constitucionais, infraconstitucionais ou convencionais, outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, ampliando aquele patamar mínimo de direitos fundamentais.
    Dispõe o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, que, "sem obstar a aplicação de penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade", enquanto que o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
    As normas que protegem o meio ambiente, conceito no qual se inclui o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, CF), objetivam, em última análise, proteger a vida humana, considerado como bem essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput, CF), sendo direitos dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º , XXII, CF), razão pela qual o disposto no inciso XXVIII do art. 7° da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com o seu art. 225, § 3°, que assegura a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, principalmente porque não há qualquer fundamento que justifique a criação de dificuldades para a reparação de prejuízos causados ao trabalhador em decorrência de dano ao meio ambiente.
    De acordo com os ensinamentos de Raimundo Simão de Melo, "a natureza potencialmente perigosa da atividade de risco é a peculiaridade que a diferencia das outras atividades para caracterizar o risco capaz de ocasionar acidentes e provocar prejuízos indenizáveis, com base na responsabilidade objetiva (CC, art. 927)", para concluir que "se no direito comum as dificuldades são grandes quanto à identificação das atividades de risco, no Direito do Trabalho tal não constitui novidade, por pelo menos duas razões. Já existem dois amplos campos de atividades consideradas de risco: a) as atividades insalubres (CLT, art. 189 e NR nº 15 da Portaria 3.214/77); e b) as atividades perigosas (CLT, art. 193 e NR nº 16 da Portaria 3.214/77). Também é considerada perigosa a atividade exercida em contato com eletricidade (Lei n.º 7.410/85 e Decreto n.º 92.530/86)-.
    Desse modo, ao contrário do que sustentado pelas Recorrentes, o fato do Reclamante perceber regularmente adicional de periculosidade evidencia a natureza perigosa da atividade desenvolvida, atraindo a incidência da responsabilidade objetiva do empregador em caso de acidente de trabalho (art. 927, parágrafo único, CC), sendo desnecessária qualquer discussão acerca de dolo ou culpa pelo evento danoso, bastando a comprovação do nexo causal e dos prejuízos sofridos pelo empregado acidentado.
    Não há qualquer incompatibilidade, portanto, entre o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, os arts. 7º, XXVIII, e 225, § 3º, da Constituição Federal, eis que os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores podem ser melhorados por outras normas jurídicas, máxime ao se considerar que a responsabilidade objetiva por acidente de trabalho direciona-se à preservação da vida humana do trabalhador, sendo do empregador os riscos da atividade econômica, e não do empregado, que se subordina ao poder de direção patronal de forma absoluta (art. 2º, CLT).
    Considerando que vigora no âmbito justrabalhista o princípio da norma mais favorável, resta afastada qualquer alegação de inconstitucionalidade do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a responsabilidade objetiva do empregador que desenvolve atividades de risco, pois referido princípio permite eleger como regra prevalente, em uma dada situação de aparente conflito de regras, aquela que for mais favorável ao trabalhador, máxime em se tratando de normas de ordem pública que versam sobre proteção da saúde, da vida e da integridade física do trabalhador, quando houver violação decorrente de acidente de trabalho.
    Com razão o jurista Adib Pereira Netto Salim, ao indicar que "se o empregador desenvolve atividade econômica que traz o risco como inerente, responderá de forma objetiva, ante a adoção da teoria do risco-criado, em relação a todos os lesados, inclusive àqueles que sejam seus empregados. Não se poderia pensar que, em um acidente que atingisse diversas pessoas, dentro do exercício de uma atividade empresarial com risco inerente, a empresa respondesse objetivamente em relação a todos, à exceção dos seus empregados", sustentando que a responsabilidade objetiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, possui imediata aplicação "no âmbito trabalhista, naquelas atividades em que o trabalhador, por força de lei ou norma coletiva, seja beneficiário de algum adicional salarial em razão dos riscos da atividade, que ocorre com aqueles que recebem adicionais como insalubridade, periculosidade e risco portuário-.
    Inviável, portanto, a exclusão da responsabilidade objetiva das Reclamadas, restando prejudicada a análise dos tópicos do Recurso Ordinário voltados à discussão da ausência de culpa das Recorrentes, sendo suficiente, para o deslinde da controvérsia, a prova da causa e efeito entre o acidente e os danos experimentados pelo trabalhador, resultando no dever de indenização do empregador, quer tenha agido ou não culposamente.
                     No julgamento dos primeiros embargos de declaração, a Corte regional acrescentou, a fls. 872-874:
    Todos esses elementos fáticos, especificamente analisados pelo Juízo a quo (fls. 675/679), demonstram a inexistência de qualquer culpa stricto sensu por parte do Reclamante, não havendo que se falar em omissão no julgado, para fins de prequestionamento, uma vez que a interposição de eventual recurso por parte das Embargantes dará ensejo à apreciação de toda a matéria impugnada (art. 515, CPC), inclusive com a análise das questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a decisão recorrida não as tenha apreciado por inteiro (art. 515, § 1°, CPC).
    Ademais, impende destacar que o Juiz não está obrigado à análise de todos os argumentos levantados pelas partes, bastando que decida a lide de forma fundamentada (art. 93, IX, CF), indicando as razões de seu convencimento, podendo apreciar livremente a prova carreada aos autos, atendendo aos fatos e circunstâncias da causa, ainda que não alegados pelas partes (art. 130, CPC), em atendimento ao princípio da persuasão racional.
    A adoção da teoria da responsabilidade objetiva por acidente de trabalho em atividades de risco afasta induvidosamente qualquer discussão acerca da culpa do Reclamante, bastando que se configure o evento danoso, os prejuízos materiais, morais e estéticos acarretados ao trabalhador e o nexo causal entre esses elementos, tal como restou devidamente caracterizado na espécie, não havendo que se falar em omissão no julgado, principalmente ao se considerar que a apreciação fática da ausência de culpa do Reclamante restou expressamente analisada pelo ilustre Juízo a quo.
    De outro lado, conforme os fundamentos do acórdão embargado, as circunstâncias fáticas que envolveram o sinistro afastam qualquer culpa do trabalhador, que foi efetuar manutenção em "linha viva" sem o acompanhamento do encarregado, em período noturno e o mais grave, a comunicação equivocada que a rede elétrica havia sido desligada.
    A percepção de adicional de periculosidade, por sua vez, demonstra de forma irrefutável que o reclamante laborava em atividade eminentemente perigosa, atraindo a responsabilidade objetiva do empregador em caso de acidente de trabalho (art. 927, parágrafo único do CC), sendo, por isso mesmo, desnecessária qualquer debate em torno da existência de dolo ou culpa relativamente a atitude do empregador.
                     As reclamadas alegam que o empregador somente tem o dever de indenizar o empregado pelo acidente de trabalho quando agir com dolo ou culpa, o que não ocorreu no caso em questão. Aduzem que não se há de falar em responsabilidade objetiva pelo acidente laboral, ainda que as atividades desenvolvidas sejam de risco, no que tange aos eletricistas e operadores de subestação e usinas, não sendo aplicável o art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Invocam a aplicação do art. 7º, XXVIII, da Carta Política, o qual reputam violado. Argumentam que a norma hierarquicamente inferior se submete à norma superior. Sustentam, ainda, que não se aplica o art. 37, § 6°, da Carta Magna, pois tal dispositivo não trata de acidente de trabalho. Defendem que o fato de pagar adicional de periculosidade não contribui para o acolhimento da tese de responsabilidade objetiva, principalmente por ter restado comprovada, nos autos, a culpa do reclamante, no mínimo, concorrente, o que impõe atenuar a responsabilidade.
                     Com efeito, o sistema de responsabilidade civil vigente em determinado país deve refletir os avanços tecnológicos incidentes nas relações sociais, sob pena de se ter um ordenamento jurídico inapto a disciplinar as mencionadas relações e incapaz de concretizar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, em patente menosprezo à força normativa do diploma que representa a decisão política fundamental do povo brasileiro. Tal força normativa repercute nas relações entre particulares, pois não seria lógico que a autonomia da vontade pudesse se sobrepujar aos comandos de ordem pública emanados da Carta Magna. Por isso, atualmente se admite que os mencionados direitos e garantias ostentam eficácia jurídica horizontal direta.
                     Nessa senda, o Código de Defesa do Consumidor, atento à realidade de produção em massa inerente à sociedade industrial, instituiu o sistema de responsabilidade objetiva pelos defeitos existentes nos produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo (arts. 12 a 14 do CDC). Assim o fez porque o consumidor ostenta posição de hipossuficiência em relação ao fornecedor, pois este detém todas as informações inerentes aos produtos e serviços que comercializa, o que torna inviável à outra parte da avença provar os mencionados defeitos.
                     Além disso, não se pode ignorar que, por mais que o fornecedor se esmere na adoção de medidas destinadas a prevenir qualquer defeito, ele inevitavelmente ocorrerá, causando dano à esfera juridicamente protegida de outrem, que ficaria desprovido de tutela jurídica, caso tivesse de provar a existência de uma culpa que, de fato, não se verificou. Tal não pode ser tolerado por um Estado Democrático de Direito, cuja finalidade consiste em promover o bem-estar de todos (art. 3º, IV, da Carta Magna), por importar em distribuição desigualitária dos riscos oriundos de atividade que se afigura proveitosa para toda a sociedade.
                     Observando a evolução do instituto da responsabilidade civil, o legislador infraconstitucional, ao editar o Novo Código Civil, determinou, no art. 927, parágrafo único, do referido diploma legal, que será objetiva a responsabilidade do autor do dano se a atividade por ele, e em razão dele, normalmente desenvolvida lesar a esfera juridicamente protegida de outrem. Assim o fez, pois não é de difícil constatação que não só nas relações consumeristas existe a hipossuficiência que dá ensejo à tutela da outra parte contratual, razão pela qual deve haver uma regra geral no sistema jurídico brasileiro apta a suprir a carência do sistema de responsabilidade civil subjetiva, quando ela for ineficaz à tutela dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal.
                     Nessa senda, o art. 7º, caput, da Carta Magna, ao instituir os direitos dos trabalhadores de nossa nação, deixa expresso que aquele rol é o patamar civilizatório mínimo assegurado a todo aquele que disponibiliza a sua força de trabalho no mercado econômico, razão pela qual a regra inserta no inciso XXVIII do referido dispositivo constitucional não elide a incidência de outro sistema de responsabilidade civil mais favorável ao empregado, como o é a hipótese do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.
                     Resta, portanto, determinar a forma como o mencionado dispositivo incidirá nas relações laborais. Sabe-se que a atividade empresarial do empregador (que, em relação ao consumidor assume o papel de fornecedor) constitui a síntese de todas as tarefas desenvolvidas, dentro e fora do estabelecimento empresarial, por todos aqueles que a ele prestam serviços, seja de forma subordinada, ou não.
                     Tais pessoas encontram-se no meio da cadeia produtiva que liga o empregador ao consumidor de seus produtos e serviços, pois são elas que tornam concreta a finalidade empresarial de auferir lucros no mercado econômico. Ao fazê-lo, manuseiam os mesmos produtos e serviços disponibilizados ao consumidor (só que em fase anterior do processo que os torna aptos ao consumo), razão pela qual não se afigura razoável a elas não estender o mesmo sistema de responsabilidade civil objetiva, quando as tarefas por ela desenvolvidas (que constituem elemento da atividade empresarial) ocasionarem riscos inerentes às respectivas esferas juridicamente protegidas.
                     Entendimento contrário representa a própria negação ao valor social do trabalho consagrado como fundamento da República Federativa Brasileira (art. 1º, IV, da Carta Magna), por equiparar o trabalhador aos demais fatores de produção (coisa, portanto), o que não se coaduna com a dignidade inerente ao ser humano (art. 1º, III, da Carta Magna).
                     Em face disso, na hipótese dos autos, em que o empregado é eletricista, deve o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil incidir, por estar o obreiro sujeito a riscos superiores aos inerentes à prestação subordinada de serviços pelos demais trabalhadores de nosso País.
                     Incólume o dispositivo invocado.
                     O segunto, terceiro, quarto e décimo primeiro arestos colacionados (fls. 912 e 914) não se prestam ao confronto de teses, por não trazerem a fonte oficial de publicação, nos termos da Súmula nº 337, I, do TST.
                     Os demais arestos trazidos no apelo revisional carecem da especificidade exigida pela Súmula nº 296 do TST, por não abordarem a tese adotada pelo Tribunal local, no sentido de que a responsabilidade objetiva decorre da natureza perigosa da atividade desenvolvida pelas reclamadas.
                     Não conheço.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Direitos individuais homogêneos e direitos individuais heterogêneos

O Ministério Público é vocacionado, pelo artigo 127 da Constituição da República, a defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

Contudo, para que aflore a legitimidade do MPT é necessário que o fato denunciado importe em lesão a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores, pois somente na defesa desses direitos pode o Parquet atuar, inclusive mediante o ajuizamento de ações civis públicas ou coletivas (art. 129, inciso III, da CF/88).

Nesse passo, é importante destacar que os direitos individuais homogêneos se caracterizam, sobretudo, pela existência de uma questão coletiva, que confere homogeneidade àquela categoria de pessoas, à par da presença, ou não, de questões individuais, particulares ou patrimoniais.

E mais, para que se vislumbre utilidade na tutela coletiva deve-se aquilatar, diante das peculiaridades envolvidas, a vantagem do tratamento molecular do conflito em contrapartida à fragmentação da tutela.

É a tese desenvolvida, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, dos DIREITOS INDIVIDUAIS HETEROGÊNEOS, ou seja, direitos individuais puros, conforme acórdão abaixo:
"RECURSO DE REVISTA. SINDICATO. DIREITOS INDIVIDUAIS HETEROGÊNEOS. PROMOÇÕES. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. Predomina nesta Corte o entendimento de que - a partir da nova orientação jurisprudencial, superveniente ao cancelamento da Súmula 310 do TST, na esteira da jurisprudência consolidada no STF - a substituição processual não se acha mais restrita às hipóteses contempladas na CLT, abrangendo doravante interesses individuais homogêneos, interesses difusos e os coletivos em sentido estrito. Por conseguinte, ficam fora do âmbito de aplicação do art. 8.º, III, da CF, os chamados DIREITOS INDIVIDUAIS HETEROGÊNEOS, que não têm origem comum e dependem da análise concreta de específica e particular relação jurídica, como no caso das promoções pleiteadas na exordial (...)"  (TST - 4ª Turma - RR 116100-91.2004.5.04.0024 - Relatora Ministra Maria de Assis Calsing - DEJT 27/08/2010 - destaques acrescidos).

Assim, o que desafia a atuação do Ministério Publico do Trabalho é a existência de conveniência social e a presença de  interesse coletivo lato sensu.

Vale a pena a leitura do Precedente nº 17 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho:

VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – DISCRICIONARIEDADE DO PROCURADOR OFICIANTE.
Mantém-se, por despacho, o arquivamento da Representação quando a repercussão social da lesão não for significativamente suficiente para caracterizar uma conduta com consequencias que reclamem a atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa de direitos individuais homogêneos. A atuação do Ministério Público deve ser orientada pela “conveniência social”. Ressalvados os casos de defesa judicial dos direitos e interesses de incapazes e população indígena.


Atente-se que, nos casos que envolvem direitos de INCAPAZES e POPULAÇÃO INDÍGENA, não há, no meu modo de ver (e do CSMPT também) margem de discricionariedade para o Procurador do Trabalho decidir se atuará ou não, sendo obrigatória a intervenção nos feitos como custos legis, ainda que se trate de um só incapaz ou de um só indígena, sem a presença da dimensão coletiva.

Assim, na lição do ex-Procurador Regional do Trabalho e atual Desembargador Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Dr. Carlos Henrique Bezerra Leite (in Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática; 4.ed.; São Paulo: LTr, 2010, p. 118), a elaboração de parecer circunstanciado do Ministério Público do Trabalho será obrigatória nos dissídios individuais em que figurem, como partes ou interessados, crianças, adolescentes, incapazes e índios; nas ações civis públicas, quando não ajuizadas pelo próprio Ministério Público (Lei n. 7.347/85, art. 5º, § 1º); nos mandados de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 10); nos dissídios coletivos, em caso de greve que possa acarretar lesão ao interesse público; nas ações de competência originária dos Tribunais, quando houver previsão regimental expressa; nos pedidos de sequestro formulados em procedimentos relativos a precatórios (CPC, art. 731); quando houver solicitação expressa do juiz ou Relator e o órgão do Parquet entender relevante a sua intervenção.



Por último, apenas alerto para os "riscos" de se defender a atuação do Ministério Público do Trabalho "de qualquer jeito". E, por outro lado, tomar cuidado com essa tese do TST a respeito dos DIREITOS INDIVIDUAIS HETEROGÊNEOS, pois já vi Juízes e Desembargadores Federais do Trabalho indeferirem pleitos em ações civis públicas sobre trabalho infantil com base nesta teoria. Por exemplo: inexistência de dano moral e não reconhecimento de despedida indireta a criança com 7 anos de idade que distribuía jornais e panfletos para uma empresa nas ruas, durante o dia todo. 



Marcos G. Cutrim é membro do Grupo Partilhando (este material foi obtido através de conteúdo de e-mail do autor, durante discussão sobre os direitos individuais homogêneos e a legitimação do MPT).

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mecanismos de responsabilização do empregador por danos causados ao meio ambiente de trabalho

A Constituição Federal inclui, entre os direitos dos trabalhadores, o de ter reduzido os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).

Cabe ao empregador proporcionar um meio ambiente de trabalho saudável, seguro e adequado a todos os trabalhadores que desempenham suas atividades no estabelecimento.
Para garantir efetividade às normas de proteção à saúde, o empregador deve prestar informações pormenorizadas aos trabalhadores sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular (Lei 8.213/91), bem como, dar treinamento adequado para o desempenho das atividades.

Ao Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego e outros órgãos governamentais, cabe instituir normas de segurança, higiene e medicina do trabalho e zelar pelo seu cumprimento.

Em caso de descumprimento dessas normas, os órgãos fiscalizadores podem aplicar multas; e no caso de risco grave e iminente para os trabalhadores, o Superintendente Regional do Trabalho poderá interditar o estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, conforme autoriza o art. 161, da CLT.

O descumprimento da determinação da interdição ou embargo, fará com que o empregado responda por desobediência, além de se sujeitar as medidas penais cabíveis: CP, arts. 132 (expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente), 205 (crime contra a organização do trabalho) e 330 (crime de desobediência). O Superintendente poderá levantar a interdição ou o embargo após laudo técnico do serviço competente.

Outro meio eficaz, muito utilizado para a proteção da saúde do trabalhador  e do meio ambiente de trabalho, é a ação civil pública prevista na Lei n. 7.347/86. O art. 1º, inc. I, da Lei nº 7.347/85 estabelece a adequação da ação civil pública na proteção do meio ambiente, no qual se inclui o meio ambiente de trabalho. Um dos legitimados a ajuizar a ação civil pública é o Ministério Público do Trabalho.

O Ministério Público do Trabalho pode requisitar vistorias de engenharia e medicina do trabalho para verificar as condições do ambiente de trabalho, solicitar aos peritos a indicação das medidas técnicas para sanar as irregularidades, requisitar documentos como laudos ambientais, atas da CIPA, cópias das CAT´s  emitidos pela empresa e com base em tais documentos, tentar um Termo de Ajustamento de Conduta.

Não conseguindo que a empresa assine o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o Ministério Público do Trabalho pode ajuizar ações, como as ações civis públicas com o objetivo de obrigar o empregador a cumprir as normas de segurança, higiene e medicina do trabalho, mediante a implementação de medidas individuais e coletivas de adequação e proteção, sob pena de multa diária, e pleitear indenização por danos morais coletivos.

A responsabilidade pelos danos ambientais é objetiva, estando fundada no risco da atividade, independentemente da conduta do agente. Isto porque o constituinte tratou diferentemente os danos ambientais, ao assegurar a responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiente, incluído o do trabalho (CF, art. 200 – VIII), em decorrência de o art. 225, § 3º, da CF prescrever “..obrigação de reparar os danos causados” ao meio ambiente, sem exigir o elemento subjetivo para configurar a responsabilidade civil

Os sindicatos, que têm o dever de atuar em prol dos trabalhadores, também podem ajuizar ações civis públicas perante a Justiça do Trabalho com o objetivo de obrigar o empregador a cumprir normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Hodiernamente, a prioridade dos órgãos governamentais e do Ministério Público é de prevenção dos riscos ambientais em detrimento das ações de reparações que nunca efetivamente repararão as lesões provocadas no meio ambiente de trabalho e na integridade física e mental dos trabalhadores.

Enfim, a responsabilidade do causador dos danos ambientais é a mais ampla, envolvendo as despesas de restituição/recomposição dos danos, prevenção, reparação e repressão para desestimular práticas prejudiciais ao meio ambiente e aos trabalhadores.


Fonte: Granadeiro Guimarães, por Aparecida Tokumi Hashimoto
(Advogada sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados), 18.01.2011

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Aplicam-se os artigos 475-J e 475-Q do CPC ao Processo do Trabalho?

Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes  -  14 de Março de 2009
Segundo ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite, se a sentença proferida na justiça do trabalho for líquida, é plenamente possível a aplicação dos artigos 475 J e 475 Q, do CPC , conferindo uma interpretação teleológica aos artigos em destaque, bem como partindo de uma ótica baseada no princípio da duração razoável do processo (CF , artigo  , inciso LXXVIII).
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A constituição de capital como garantia a pensão nas ações acidentárias
Jornalista Externo
A formação de capital para garantir a eficácia do pensionamento de alimentos encontrava-se originalmente regulamentada no art. 602 do CPC e ratificada pela jurisprudência:
A experiência comum previne ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar. A finalidade primordial da norma contida no caput e nos parágrafos 1.º e 3.º do artigo 602 do CPC é a de dar ao lesado a segurança de que não será frustrado quanto ao efetivo recebimento das prestações futuras. Por isso, a cautela recomenda a constituição de um capital ou a prestação de uma caução fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso. Recurso especial não conhecido. (STJ. REsp 627649/SC; Recurso Especial 2004/0014650-6. 4.ª Turma. Min. César Asfor Rocha. Data do Julgamento 27/4/2004. DJ 11/10/2004 p. 348)
Posteriormente, a Lei n.º 11.232/2005 revogou este dispositivo (art. 602, CPC) e introduziu a seguinte redação ao art. 475-Q, do CPC:
Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.
Na prática pouco ou quase nada se alterou, vez que permanece vivo o propósito do legislador (mens legis) de proteger e garantir o credor dos alimentos em relação às parcelas vincendas, vez que as vencidas são executadas no procedimento comum, de forma única e acumulada até a data do ingresso na execução, conforme prevê o art. 892 da CLT.
Doravante o julgador passa a ter maior poder de decidir como será fixada a caução em conformidade com as circunstâncias de cada caso particular. Nos termos dos parágrafos 1.º e 2.º do aludido art. 475-Q, do CPC, o juiz poderá substituir a constituição do capital por fiança bancária ou garantia real ou por meio de ofício à empresa para consignar em folha de pagamento de proventos do devedor. Poderá ainda determinar a constituição do capital por meio de títulos da dívida pública, imóveis ou aplicações financeiras.
Sobrevindo modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer redução ou aumento da prestação, consoante prevê o parágrafo 3.º do art. 475-Q, do CPC. É que, conforme observa Caio Mário da Silva Pereira, embora a sentença que fixa a pensão passe em julgado, está ela subordinada a uma cláusula rebus sis stantibus, podendo ser alterada para mais ou para menos, se sobrevier modificação nas condições econômicas.(1)
Por óbvio que a possibilidade de pedir revisão da prestação refere-se ao gravame que onera o bem dado em garantia e não ao valor do pensionamento mensal. A propósito, Sebastião Geraldo de Oliveira adverte com acerto que não se trata da possibilidade de rever o valor da pensão, como ocorre nas ações revisionais de alimentos no campo do Direito de Família; o pensionamento aqui tem natureza jurídica reparatória e não alimentar no sentido estrito, razão pela qual a posterior mudança na situação econômica do devedor ou do credor não deve acarretar alteração do quantum mensal estabelecido. É que todo o propósito do art. 475-Q, do CPC, está voltado para a garantia da continuidade do pagamento e não para alterar o valor fixado na condenação, complementa o jurista mineiro(2).
Não se negue que o operador jurídico deve proceder a adequada interpretação sistêmica dos parágrafos 1.º a 5.º com o caput do art. 475-Q, do CPC, tendo como norte o quadro axiológico e normativo que tutela a vítima e prestigia a indenização devida ao trabalhador acidentado (art. 7.º, XXVIII, da CF) e sua efetiva reparação (arts. 944, 948 a 950 do Código Civil).
Oportuno registrar que não só a doutrina, mas também o Superior Tribunal de Justiça já pacificou a matéria, através da edição de recente verbete uniformizador de jurisprudência que assim dispõe:
Súmula 313 do STJ: Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.”
 Notas:
(1)     PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9a. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 320.
(2)    OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho. 2a. edição, SP: LTr, 2006, pág. 235.
José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito pela UFPR; advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; diretor da Abrat e da Academia Nacional de Direito do Trabalho. neto@dallegrave.com.br.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Recolhimento de custas e emolumentos na Justiça do Trabalho sofre alterações

Desde 1° de janeiro de 2011, o pagamento das custas e emolumentos no âmbito da Justiça do Trabalho deverá ser realizado exclusivamente mediante Guia de Recolhimento da União – GRU Judicial. 

Isso é o que determina o Ato Conjunto nº 21/2010 TST.CSJT.GP.SG, divulgado no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho de 09/12/2010. 

A migração da arrecadação de custas e emolumentos de DARF para GRU proporcionará aos Tribunais Regionais do Trabalho um melhor acompanhamento e controle, uma vez que, com o uso da GRU, será possível verificar cada recolhimento efetuado individualmente, por meio de consulta ao SIAFI, e obter informações sobre Unidade Gestora, contribuinte, valor pago e código de recolhimento.

Fonte: Tribunal Superior do Trabalho

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Retratos do Trabalho Escravo Contemporâneo

No link que segue abaixo há um exposição fotográfica produzida pela Companhia Vale do Rio Doce em parceria com a OIT - Escritório no Brasil. 

Trata-se de rico material fotográfico que retrata as condições de vida e de trabalho dos verdadeiros sem-terra desse país: os trabalhadores que vivenciam a chamada escravidão contemporânea.

É triste constatar com tanta fidelidade uma realidade desgastante. Bem por isso é que julgo necessário que paremos para olhar os muitos detalhes retratados nesse trabalho.

Há tanta miséria retratada que o material bem serve como fosse uma aula magna sobre direitos humanos, eficácia dos direitos humanos, patamar mínimo civilizatório, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e dimensões de direitos humanos. Não estão lá, certamente, mas falam, ou melhor, gritam com clareza e exemplos práticos toda essa gama de teorias e conceitos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Desaposentação: uma nova aposentadoria

Cada vez mais os aposentados que continuam a trabalhar vem abrindo mão da aposentadoria original e pedindo outra, com valor atualizado calculado mediante a incidência das novas contribuições, gerando com isso uma avalanche de ações judiciais contra o INSS, na busca do direito de se desaposentar.
Através do que se chama de desaposentação, o aposentado que continuou a trabalhar, e conseqüentemente, a contribuir compulsoriamente para o INSS, renuncia a sua aposentadoria original com o objetivo de obter novo benefício mais vantajoso, ou seja, de valor maior.
No entanto, mencionado dispositivo não se trata de renúncia ao tempo de contribuição, de modo que o aposentado no decorrer do processo, ou em caso de perda do pedido formulado, não ficará sem a sua aposentadoria, por se tratar de direito adquirido já atrelado ao patrimônio do segurado.
O objetivo desta revisão é liberar o tempo de contribuição utilizado no pedido original de aposentadoria, de forma que possa ser ele somado ao novo período trabalhado e também contribuído.
A desaposentação majora de forma considerável o valor do benefício, seja em razão do aumento no tempo de contribuição, seja em virtude da diminuição da expectativa de vida do segurado, em razão da aplicação do Fator Previdenciário, mecanismo determinante para reduzir o valor dos benefícios de quem se aposentou mais cedo, ou de forma proporcional.
A desaposentação é um fato, e vem ganhando cada vez mais força e repercussão em virtude dos aposentados nos dias de hoje se verem obrigados a continuar trabalhando diante do baixo valor de suas aposentadorias.
Neste passo, o Poder Judiciário, através do STJ, tem se posicionando favoravelmente à desaposentação, reconhecendo e aplicando o direito àqueles que, apesar de já aposentados, continuam a contribuir para o INSS sem receber a contrapartida.
Este também é o entendimento do STF.
O ministro Marco Aurélio de Melo, no julgamento do recurso 381367/RS (clique aqui), em que é relator, ressaltou que ao trabalhador que, aposentado, retorna à atividade, cabe o ônus alusivo à contribuição, devendo-se, então, a ele a contrapartida, ou seja, os benefícios próprios, mais precisamente, a consideração das novas contribuições para que, voltando ao ócio com dignidade, seja possível calcular o novo valor a que tem jus sob o ângulo da aposentadoria.
Mencionado recurso encontra-se atualmente com vista ao ministro Dias Toffoli, após o que se espera seja definitivamente julgado, na forma já manifestada pelo relator Marco Aurélio.
Pode-se ainda concluir com antecedência quais os casos em que vale a pena iniciar um processo, pois antes de recorrer à Justiça é necessário simular, através de um cálculo próprio, qual será o novo valor do benefício. Este cálculo esclarecerá se é viável ingressar com a ação, e ainda possibilitará a comprovação ao juiz de que o pedido formulado é real, e que efetivamente se trata de um benefício mais vantajoso ao aposentado.
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 Renato Camarinho, Advogado Associado do escritório Pedroso Advogados Associados

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sentidos de uma Constituição: sociológico, político e jurídico

São três os sentidos de uma Constituição, segundo a doutrina. Vamos a eles:

Sentido sociológico (Ferdinand Lassalle – soma dos fatores reais de poder na sociedade):

No sentido sociológico, a Constituição é concebida como fato social e não exatamente como norma. Assim, o conteúdo positivo de uma Constituição seria o resultado da realidade social do país; o substrato das forças que imperam na sociedade num dado momento histórico.

Ferdinand Lassalle é o representante dessa visão sociológica. Para este autor, a Constituição do país “é a soma dos fatores reais de poder que regem esse país, em um determinado momento histórico”.

Para Lassalle, convivem no Estado duas Constituições: uma real, efetiva, que corresponde à soma dos fatores reais de poder, e outra, escrita, por ele chamada “folha de papel”, que só teria validade se correspondesse à Constituição real, pois, num eventual conflito, a Constituição escrita (folha de papel) sucumbiria perante a Constituição real em virtude da força dos fatores reais de poder (os grupos dominantes, ou a elite dirigente).

Sentido político (Karl Schmitt – decisão política fundamental):

Segundo o magistério de Karl Schmitt, a Constituição é a decisão política fundamental porque representa não as normas legais que contém, mas sim a decisão política que a embasa e fundamenta. Para chegar a essa teoria interpretativa, o jurista alemão classificou as Constituições em quatro conceitos e sentidos: absoluto, relativo, ideal e positivo.

Pelo sentido absoluto, a Constituição é o próprio Estado, em sua unidade política e ordem social. Pelo sentido relativo, a Constituição é uma pluralidade de leis constitucionais. Pelo conceito ideal, existirá Constituição quando se der a identificação de seu texto com os ideais de organização política e social vigentes. Por fim, pelo sentido positivo, Constituição é aquela que promove a separação e distinção das leis constitucionais.

Assim, pelo sentido positivo, uma Constituição representa a decisão política fundamental de uma nação, uma decisão que compreende a forma e o modo de existência de sua unidade política. Dessa forma, todas as outras normas constitucionais que não representem esse sentido positivo de Constituição serão tidas por leis constitucionais.

A CF/88 trata da decisão política fundamental no seu preâmbulo, em seus arts. 1º a 12, dentre outros, pois trata dos objetivos e fundamentos da República, dos direitos e garantias fundamentais individuais, sociais e direitos políticos. Já as normas sobre organização e financiamento da seguridade social (art. 195 e ss.) e diversas normas programáticas na área de saúde, habitação, tributação, etc., são consideradas leis constitucionais.

Pela doutrina de Karl Schmitt, o fato de a lei constitucional se encontrar dentro do próprio texto constitucional não a qualifica como norma constitucional, não ao menos no sentido político que procura imprimir. A distinção do jurista alemão é feita dentro do texto constitucional, com oferta de classificação das normas que embasam uma Constituição, no seu sentido político.

Vale pontuar que a classificação que separa normas constitucionais de leis constitucionais em muito se aproxima da distinção entre Constituição no seu sentido formal e Constituição no seu sentido material. Constituição em sentido formal seria qualquer lei que se encontra no texto constitucional, ao passo que Constituição em sentido material será toda norma constitucional que contenha em si uma parcela da decisão política fundamental.

Sentido jurídico (Hans Kelsen – norma hipotética fundamental):

Constituição no sentido jurídico é aquela compreendida de uma perspectiva estritamente formal. Hans Kelsen, jurista austríaco, considera a Constituição como norma, e norma pura, como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico.  Kelsen desenvolveu dois sentidos para a palavra Constituição:

a) um sentido lógico-jurídico; e

b) um sentido jurídico-positivo.

Em sentido lógico-jurídico, a Constituição significa a norma fundamental hipotética (pensada, pressuposta), cuja função é servir de fundamento da validade da Constituição em sentido jurídico-positivo. Essa norma fundamental hipotética, fundamento da Constituição positiva, teria, basicamente, o seguinte comando: conduza-se na forma ordenada pelo autor da primeira Constituição. Como Kelsen não admitia como fundamento da Constituição positiva algo de real, foi obrigado a desenvolver este fundamento meramente formal.

Em sentido jurídico-positivo, a Constituição corresponde à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico. Seu fundamento é a norma fundamental hipotética. 

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Economia Solidária


Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem.
A economia solidária vem se apresentando, nos últimos anos, como inovadora alternativa de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social. Compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário.
Nesse sentido, compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão. Considerando essa concepção, a Economia Solidária possui as seguintes características:
  1. Cooperação: existência de interesses e objetivos comuns, a união dos esforços e capacidades, a propriedade coletiva de bens, a partilha dos resultados e a responsabilidade solidária. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc.); clubes de trocas etc. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares.
  2. Autogestão: os/as participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação.
  3. Dimensão Econômica: é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais.
  4. Solidariedade: O caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem estar dos trabalhadores e consumidores; e no respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Considerando essas características, a economia solidária aponta para uma nova lógica de desenvolvimento sustentável com geração de trabalho e distribuição de renda, mediante um crescimento econômico com proteção dos ecossistemas. Seus resultados econômicos, políticos e culturais são compartilhados pelos participantes, sem distinção de gênero, idade e raça. Implica na reversão da lógica capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais, considerando o ser humano na sua integralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica.


A informação completa acerca da Economia Solidária pode ser encontrada no seguinte endereço da internet: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_default.asp

A fonte é o site do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE.